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Tina Turner fez sua passagem, pacificamente, aos 83 anos
Publicado em 25/05/2023 19:07
Música

Tina Turner fez sua passagem, pacificamente, aos 83 anos

Após seis décadas de sucesso, como cantora e atriz, ela descansou

 

por Cris Prado

 

Mulher maravilha na vida e nas artes, Tina Turner fez sua passagem pacificamente, ontem, dia 24 de maio, em sua casa, na cidade de Küsnacht (Suíça). A nota oficial, publicada em seus perfis nas redes sociais, diz: “É com grande tristeza que anunciamos a passagem de Tina Turner. Com sua música e paixão ilimitada pela vida, ela encantou fãs mundialmente e inspirou futuras estrelas. Nós dizemos adeus a uma querida amiga, que nos deixa seu maior trabalho: sua música. Tina, nós vamos sentir sua falta.” A artista tinha 83 anos e enfrentava alguns problemas de saúde, entre os quais ela mesma destacou em uma de suas últimas postagens nas redes sociais, uma doença renal em decorrência de sua negligência em relação à pressão alta, que preferiu não medicar por muitos anos.

 

A infância

 

Tina nasceu Anna Mae Bullock, em 26 de novembro de 1939, em Nutbush, Tennessee (EUA), uma região de fazendas produtoras de algodão, e seu pai trabalhava em uma dessas fazendas. Quando sua mãe e seu pai mudaram de casa para irem trabalhar em uma fábrica de munições, Anna ficou morando com seus avós (religiosos) e também foi separada de sua irmã mais velha, Aillene, que seguiu com eles. 

 

Ela estudou na Flagg Grove School, uma escola exclusiva para a população negra, de apenas um cômodo, que funcionou até os anos 60. Atualmente, o local se chama Rainha do Rock ’N Roll, e é o único museu no mundo, inteiramente dedicado a Tina Turner, onde os visitantes podem ver peças de seu figurino de palco (incluindo uma de suas famosas mini-saias brilhantes), além de discos de platina e de ouro, e muitas fotos. Tina trabalhou junto ao West Tennessee Delta Heritage Center, para produzir o vídeo e o comentário em áudio oferecidos ao público, durante a visita ao museu que tem entrada gratuita. 

 

Após a guerra, Anna começou a cantar em uma igreja batista. Aos 11 anos, foi abandonada pela mãe. Dois anos depois, quando seu pai casou-se novamente, Anna e Aillene foram morar com uma avó, em Brownsville, no Tennessee. Em 1958, quando se formou, ela foi trabalhar em um hospital de St. Louis, no Missouri, e decidiu tornar-se enfermeira. 

 

Da Igreja aos palcos

 

Uma certa noite, curtindo a balada com sua irmã, numa boate local, Anna foi falar com Ike Turner, que se apresentava com sua banda The Kings of Rhythm. Anna era namorada de Raymond Hill, saxofonista da banda, e teve um filho com ele: Raymond Craig.

 

A performance de Anna, durante o intervalo do show dos reis do ritmo, deixou Ike tão impressionado, que ele a convidou para ser sua backing vocal. Em 1958, Anna fez sua primeira gravação como cantora de apoio. Em 1960, ela substituiu o cantor Art Lassiter, que não foi ao estúdio para a gravação da música “Fool in Love”’, de Ike Turner. Um DJ que ouviu o single, percebeu o poder daquela voz e levou a demo para uma gravadora local. “Fool in Love” alcançou 27º lugar nas paradas da Billboard e a música que gravaram na sequência, “It's Gonna Work Out Fine”, alcançou o top 20, rendendo um Grammy à Tina e Ike. Nesta época, Anna já havia sido nomeada como Tina Turner - para evitar que ex-namorados a localizassem, de acordo com o próprio Ike -, e colocada em posição de maior destaque na banda. 

 

Em 1962, Tina e Ike se casaram, após ele se divorciar de sua quinta esposa. O casal também formou o duo Ike and Tina Turner Revue, e eles passaram boa parte dos três anos seguintes, em turnê. Apesar do relacionamento abusivo com Ike Turner - que tinha comportamento controlador, abusivo e agressivo, vivia sob efeito de álcool e cocaína, e andava armado -, Tina conseguiu fazer algumas aparições solo na televisão norte-americana, em programas como American Bandstand e Shindig!

 

Em 1966, quando o jovem, famoso e milionário produtor Phil Spector descobriu Tina, moveu rios e montanhas para gravar uma música com ela. “River Deep, Mountain High” (de Ellie Greenwich e Jeff Barry, parceiros de Spector), foi gravada no Gold Star Sound Studios (Hollywood), sem limites de orçamento, com uma orquestração de 21 músicos tocando ao mesmo tempo e captação de som ao “modo Spector”, que criou essa maneira de gravar e deu origem ao termo “parede de som”. O resultado: os instrumentos soam como uma massa sonora compacta. Ike Turner foi pago para fazer a gentileza de não comparecer à gravação. 

 

Três anos depois, Tina Turner e Ike abriram alguns shows dos Rolling Stones, a pedido da própria banda. Toda essa exposição rendeu ao duo uma participação no programa de TV Ed Sullivan Show, e consequentemente o aumento de interesse em relação a ela e à “River Deep, Mountain High”, bem como a todo o seu repertório.  No mesmo ano, a gravadora A&M Records lançou o álbum River Deep, Mountain High, nos Estados Unidos. Um fato interessante sobre esta música: em 1967, ela ganhou uma versão brasileira, feita pelo músico e compositor carioca Luiz Keller. “Gostaria de Saber” foi gravada por Wanderléa, para seu álbum homônimo, no auge da Jovem Guarda.

 

Na sequência, Ike and Tina Turner Revue lançaram sua versão de “Proud Mary”, do Creedence Clearwater Revival, que tornou-se o single de maior sucesso do duo. 

 

Em 1973, Tina Turner atuou no filme de Ken Russell, Tommy (sobre a ópera rock de Pete Townshend), fazendo a personagem Rainha do Ácido. No mesmo ano, ela e Ike gravaram seu último sucesso juntos: “Nutbush City Limits”.  

 

Livre para voar   

 

Em julho de 1976, após Ike espancá-la grávida, com um esticador de arame e queimá-la com café escaldante, Tina fugiu de um quarto de hotel onde estavam hospedados - com alguns centavos no bolso -, e passou meses escondida em casas de amigos, enquanto processava Ike e aguardava a oficialização do divórcio, que só aconteceu dois anos depois. Financeiramente apoiada por um amigo, executivo de uma gravadora, a artista começou a fazer shows solo, cantou ao lado de Rod Stewart e acompanhou outra turnê dos Rolling Stones. 

 

Com o lançamento de Private Dancer, seu primeiro álbum solo, em 29 de maio de 1984, Tina Turner decolou para uma série de turnês mundiais com shows lotados, e emplacou um sucesso após outro, ao longo da década, com hits como “Private Dancer”, “What’s Love Got To Do With It?”, “Let’s Stay Together” e “Better Be Good To Me”. 

 

Em 1985, ela fez a personagem Aunty Entity, no clássico filme de George Miller, Mad Max Beyond Thunderdome, e contribuiu com canções para a trilha sonora do filme, incluindo a música tema, “We Don’t Need Another Hero”. Neste mesmo ano, Tina conheceu o amor de sua vida, o empresário alemão Erwin Bach, com quem começou a namorar. Dez anos depois, Tina Turner gravou a música tema de outro longa-metragem: Golden Eye. O primeiro filme de James Bond estrelado por Pierce Brosnan.

 

Voltando no tempo, ainda em 1988, Tina veio ao Brasil e seu show no Rio de Janeiro foi histórico, para um estádio do Maracanã totalmente lotado com 180 mil pessoas. Mais de 20 álbuns lançados - entre os de estúdio, singles, coletâneas e trilhas sonoras -, que incluem vários outros hits inesquecíveis, como “Typical Male”, “Two People”, “Paradise is Here”, “Steamy Windows”, “I Don’t Wanna Lose You”, “Falling Like Rain” e “The Best”, Tina Turner também cantou, se apresentou, e gravou belas músicas ao lado de grandes artistas como os já mencionados Mick Jagger e Rod Stewart, além de David Bowie, Lionel Richie, Elton John, Bryan Adams, Cher, Beyonce e Eros Ramazzotti, entre outros.  

 

Em 1999, a Rádio BBC nomeou duas cantoras com o título Voice Of The Millenium: Elza Soares (1930-2022) e Tina Turner (1939-2023). Em 2013, Tina e seu namorado de longa data Erwin Bach, se casaram. Mesmo ano em que a artista passou por um tratamento contra o câncer de intestino, e recebeu a doação de um rim de seu próprio marido, que salvou sua vida depois que os rins dela pararam de funcionar, em decorrência do tratamento da doença. No dia 12 de outubro de 2018, Tina Turner lançou sua autobiografia, My Love Story, pela editora Century. Dois anos depois, a cantora gravou uma nova versão do hit “What's Love Got To Do With It?”, que logo em seguida entrou para o top 40 do Reino Unido, tornando Tina Turner a primeira artista a alcançar esta marca em sete diferentes décadas. Em 2021, ela vendeu os direitos de sua obra musical para a administração da BMG Rights, por um valor equivalente a R$ 250 milhões, e foi incluída no Hall da Fama do Rock And Roll. Recentemente, Tina foi tema de um musical montado e apresentado no West End de Londres (UK).

 

Uma mulher linda, forte e guerreira, sobrevivente de tutores negligentes e de um ex-marido abusivo, mãe de três filhos, dois dos quais falecidos precocemente: o mais velho, Raymond, que cometeu suicídio em 2018, e o mais novo, Ronald, que faleceu de câncer, em dezembro do ano passado. Praticante de budismo, desde o fim dos anos 70, Tina encontrou na filosofia budista parte da força que a manteve firme em seu caminho, apesar das adversidades. “Às vezes, você precisa deixar tudo ir - purgar o seu ser. Se você está infeliz com qualquer coisa - seja o que for que esteja te jogando pra baixo - livre-se disso. Porque você vai descobrir que quando está livre, sua verdadeira criatividade, seu verdadeiro ser se manifesta”, disse Tina, certa vez. 

 

Uma artista talentosa, dona de uma das vozes mais potentes de todos os tempos, com mais de 180 milhões de álbuns vendidos ao redor do mundo, vencedora de 12 Grammy Awards, e com mais de 30 anos de turnês mundiais em estádios lotados. Como dizem, a frase “descanse em paz” não combina com ela. “Descanse no poder” parece mais adequada. Em homenagem a Tina, o ator, cineasta e ativista norte-americano Forest Whitaker escreveu: “(…) Enquanto nós a honramos, vamos também refletir sobre sua resiliência e pensar sobre toda a grandeza que pode vir dos nossos dias mais escuros”. 

 

Fontes: CNN, Reuters, BBC, Road Side America, JC e Discogs.

 

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